A
minha dor eu sei resolver. Ainda que seja a custo alto, sei resolver.
Pode ser com um calmante, um trabalho físico, um desabafo. Pode ser
mexendo na horta, organizando as roupas no armário, limpando a casa,
xingando Deus; eu sei resolver. Ainda que demore, resolvo.
O que não sei resolver é a dor do outro. Fico mudo, meu braço sobra, minha mão falta, minha boca treme algum vento sem força.
A dor do outro não se comunica. Não dá nem tira emprego.
A dor do outro me isola. Tento uma brecha para falar, mas sinto-me intruso, incômodo, solteiro. Como uma casa em reforma.
Toda
dor só é compreensível no idioma da dor. Quem está de fora não entende,
não tem razão, não alcança sentido. A dor não busca conselhos; a dor
busca a pele para colocar por cima, busca cicatrizar a ferrugem e a
maresia.
A dor do outro é pedalar com a respiração. Ela me desfalca, me devassa, me faz duvidar de que eu podia ter ouvido.
A dor do outro é a minha dor mais pessoal, porque é indiferente à minha própria dor.
A dor
do outro é uma parada de ônibus sem ônibus por vir. Uma parada de ônibus
para se sentar e não ir.
A dor do outro fica no lugar da dor, não suporta um passo além do
círculo de sua lembrança fixa. A dor do outro tem a altura de um grito
que não é dado para não desperdiçar a dor.
A dor do outro não ri, porque, séria, chega mais rápido ao seu fim.
A dor do outro não se empresta, é dor de osso, dor que não se enxerga de dia e nem de noite. [...]
A
minha dor eu resolvo. A dor do outro não sei aonde colocar, onde me
colocar. Faço como minha avó Elisa. Quando alguém recusava um abraço,
ela pedia para devolvê-lo.
Devolver o abraço é a dor do outro.
[Fabrício Carpinejar - Pássaros comem na mão, do livro "O Amor Esquece de Começar"]
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