Autoestima - O papel da criança boazinha
De vez em quando, ao atender algum(a) cliente, vem a tona o
padrão emocional da criança boazinha. Vou descrever como esse
padrão é formado, por que ele é formado, e as
consequencias que ele trás.
Conforme já expliquei em outros artigos, a
criança tem uma profunda necessidade de reconhecimento e
aprovação dos pais, para sentir que ela existe, que tem
importância. É a partir desse reconhecimento que vem dos pais
que a criança vai amadurecendo e aprendendo a se reconhecer e se
amar, até que se torna um adulto saudável e independente
emocionalmente. Isso, é claro, só acontece quando seus pais
são pessoas emocionalmente saudáveis que souberam como suprir
essa carência da criança.
A avidez que a criança tem por reconhecimento é enorme, e ela vai desenvolver estratégias para obtê-lo, conforme a reação dos adultos. Uma das maneiras de obter essa aprovação que ela tanto busca, é através do papel da boazinha.
"Que criança educada! "Que criança obediente,
faz tudo que a gente pede!" "Como ela não dá trabalho,
não reclama de nada!" "Como ela é meiga e doce!". E assim,
para obter esse tipo de aprovação, algumas crianças
começam a passar por cima dos seus verdadeiros desejos e
opiniões para se encaixar com as expectativas dos pais.
Elogios e reconhecimento são muito bem vindos na
educação das crianças para que elas possam fortalecer
a sua autoestima. Entretanto, quando os pais tem uma baixa autoestima, eles
podem usar o elogio e a aprovação como um meio de manipular o
comportamento da criança, e não como uma forma de demonstrar
amor verdadeiro e incondicional. Ainda mais quando são pais que tem
padrões emocionais de querer controlar a vida e os gostos dos
filhos.
Nesse tipo de família, a criança desde
pequena não tem permissão de ter sua própria vontade e
opinião, a não ser que essa vontade e opinião coincida
com as dos pais. Quando há essa coincidência, ela recebe o
reconhecimento e atenção. Porém, quando demonstra
querer algo diferente ou pensar de forma divergente dos pais, logo é
punida e criticada. A criança se sente culpada, parece que ter sua
própria vontade é algo errado, e aprende a ir deixando de
lado seus verdadeiros pensamentos e sentimentos para se moldar ao desejo
dos adultos.
Vou dar um exemplo. Um certo dia, a criança prefere
ficar em casa do que fazer um determinado programa em familia, ou prefere
se divertir com seus amigos. Alguns pais ficam ressentidos com o filho
quando ele tem esse tipo de desejo, chegando a criticar, brigar e
até obrigar a criança a fazer o que eles querem. Essa
criança começa a internalizar que não é certo
ter sua vontade própria, que é melhor que ela seja "boazinha"
para não causar tristeza, sofrimento ou raiva nos seus pais. Ela
passa a sentir responsável pela forma que os pais se sentem.
No caso de pais emocionalmente equilibrados, eles ficam
felizes em ver que o filho está começando a trilhar seu
próprio caminho e a fazer suas escolhas. São pais que
vão conversar com a criança, ouvindo-as com sinceridade,
preocupando-se com o que elas realmente estão sentindo e
darão a ela a opção de escolher em muitas
ocasiões que programa fazer. Ficarão verdadeiramente felizes
em ver a felicidade dos filhos, mesmo que eles queiram seguir um caminho
diferente daquele idealizado pelos pais. Não haverá qualquer
punição em forma de críticas ou falta de
reconhecimento pela fato da criança ter uma vontade diferente.
Assim a criança cresce livre e não precisa
assumir o papel da boazinha para ganhar reconhecimento e
aprovação. Ela sente que é amada independente das
escolhas que faz. Cresce então com mais confiança em si mesma
e torna-se um adulto com boa autoestima.
Ao passar por cima dos seus próprios desejos e
atender aos pais, a criança tem um ganho imediato que é o
reconhecimento e aprovação. Pensa que assim está
recebendo amor. Entretanto, a cada vez que ela deixa de seguir seu
próprio caminho, vai guardando sentimentos de
frustração e insatisfação. Inconscientemente
vai ficando ressentida consigo mesma e também com seus pais.
É comum também se sentir sufocada e presa.
Algumas famílias não tem um padrão
intenso de controle e manipulação, mas mesmo assim,
sutilmente influenciam e manipulam a escolha dos filhos. São pais
que não vão criticar ou brigar, ou obrigar a criança a
fazer determinadas coisas quando elas não querem, mas podem trata-la
com indiferença. Ao passo que, quando esse filho toma a
decisão que os pais acham ser a correta, ganha algum tipo de
reconhecimento. A criança é também extremamente
sensível a indiferença e por isso em boa parte das vezes
será levada agir forma que seus pais desejam, passando por cima de
seus próprios sentimentos.
Um exemplo comum que vejo de manipulação dos
pais é na influência da escolha da profissão dos
filhos. Se o filho escolhe a carreira dos sonhos dos pais, é
premiado com elogios, presentes e com o orgulho. Mas quando escolhe seguir
um outro caminho, esse filho é criticado, não lhe dão
apoio ou é tratado com indiferença.
Em um atendimento recente a uma cliente, ela relatou que
adotou o padrão da boazinha quando era muito pequena após a
morte do pai, para ser reconhecida e aprovada por sua mãe. Tornou-se
uma adulta insegura e que se sentia sufocada pela mãe, pois se
sentia na obrigação de fazer o que ela queria. Como forma de
fugir dessa prisão emocional, acabou se mudando para outro estado.
Assim ela se sentia mais livre. Quando ia visitar a mãe, se sentia
cobrada. Alguma coisas que pareciam bobagem para quem está de fora,
a incomodavam muito. Por exemplo, ela se sentia na obrigação
de almoçar com a família todos os dias. Caso quisesse fazer
algum programa diferente com amigos, a mãe se queixava e ela se
sentia culpada. Por conta desse jogo, acabava evitando ao máximo
voltar a sua cidade de origem.
A criança que cresce com o padrão da boazinha
desenvolve uma necessidade de reconhecimento e atenção que
baixam sua autoestima, carregando essas dificuldades pela vida adulta.
Conforme já expliquei anteriormente, esse adulto guardará
dentro de si mágoas, frustrações e ressentimentos
contra si mesmo, por não ter seguido seu caminho. Além disso,
sentirá raiva das pessoas pelas quais se sentiu manipulado, gerando
afastamento, brigas e problemas de relacionamento.
Cabe aos pais cuidar da sua própria autoestima para
que possam deixar que seus filhos cresçam de forma independente. E,
para o adulto que cresceu nessas circunstâncias negativas, cabe agora
a ele buscar ajudar para melhorar a sua autoestima. De nada adianta culpar
seus pais. Ficar preso na mágoas e ressentimentos dos pais é
uma forma infantil de puni-los e de não assumir a
responsabilidade pela próprio crescimento e felicidade, o que
é bastante comum em casos de autoestima baixa. É
também uma maneira inconsciente de perpetuar o próprio
sofrimento.
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